quinta-feira, 26 de junho de 2008

Olá Família

Finalmente escrevo alguma coisa depois de tanto tempo, não é?!a vida sem computador, sem net, sem muitas outras coisas e muito ocupada com o próprio viver não deixou que desde abril vos tenha dado mais notícias!tenho vivido tantas coisas aqui que começo a achar que vai ser muito dificil descrever-vos muito ou quem sabe até mesmo alguma coisa!Sou daqui, faço parte daqui já! Sinto-me daqui e as pessoas sentem-me assim também. Tenho uma vida activa aqui na favela, procurando ao máximo viver como eles, sem barreiras, nas suas condições, sem pensar em mim, e tem sido uma experiência que acho nem eu mesmo me dou conta das consequências.A poética do inicio desapareceu ou foi redimensionada. Estou acostumado a ter pouca coisa em casa, a poupar, a ter poucas roupas, a andar com os pés na lama, ao mau cheiro que se faz sentir por vezes, à pouca privacidade, às cenas surreais que vejo nestas ruas, à musica de letra obscena e bem alta que se faz ouvir das casas assim como a naturalidade com que abunda a imoralidade como um ar respirado por todos, numa espécie de inocência atroz seja pelas crianças como pelos adultos. Aqui abunda um concentrado de vida abandonada, deixada à sua própria sorte, consequência de uma terrivel história da humanidade que formou este Brasil. Entrar e sair da favela, tal como circular por aí pelo recife e outras cidades aqui do nordeste do brasil é como pular constantemente entre água quente e água fria, com um incrível choque térmico de realidades. Quem vive aqui na favela ama as suas origens, quem não ama o lugar que conhece, onde brincou, que é o seu "porto de abrigo"?! Vive-se aqui uma vida à parte, uma outra cultura, uma subcultura, sem grandes perspesctivas futuras, numa resignação, falta de auto-estima e de capacidade individual que destroi o ser humano, fruto de uma condição cruel aparentemente impossivel de mudar. A miséria não é fome, não é pobreza, miséria é falta de cultura, é vazio intelectual, é ignorância, é incapacidade, é falta de estímulo, é falta de consideração, é falta de amor...!Apesar das suas realidades duras, as crianças são crianças, lindas, com quem contruí relações de amor, de respeito, de educação, de confiança. Somos amigos, muito amigos, brincamos, trocamos risadas, conversamos, etc. Muitas, muitas vezes, esqueço-me do lugar onde estou, aos poucos e porque somos moldáveis, adaptáveis, vou-me acostumando a estar aqui, a sentir-me bem com tão pouco, ou talvez com tanto. Dói pensar que muitas daquelas crianças já estão condenadas, pelo mundo, pela sociedade. Aquelas caras lindas e corações puros se perderem aos poucos, à medida que vão amadurecendo e que se vão dando conta do mundo onde vivem. Quem sabe o que pode ter feito numa pessoa daquelas uma brincadeira minha, uma conversa, um sorriso, uma palavra, uma repreensão...poderá mudar-lhes a vida?!?!Fiz amizades com pessoas simples, que já sofreram muito, que têm pouco de material e que se apegam muito às relações simples de entre-ajuda, a uma conversa de baixo teor intelectual, a palavras e expressões pouco elaboradas. Pessoas que me têm dado muito, que me têm ensinado muito talvez sem o saberem...O tempo voa e não tarda acaba este meu periodo aqui, mas sem duvida que a vida sem isto teria sido muito mais vazia. Voltarei com tantos amigos, tantos irmãos e irmãs, tantos irmãozinhos e irmãzinhas, tantos filhos e filhas! Não soube dar senão o que tenho dentro, o amor. Praticamente não dei um tostão, a quem me pedia na rua, à criancinha com olhar amoroso, mas dei educação, dei roupas, dei comida, dei sermões, repreendi, dei alegria, dei um sorriso, dei um olhar, dei o meu tempo, dei tudo aquilo que no momento presente me pareceu, tentando não pensar em mim, ser o melhor para que aquela pessoa fosse gente, recusando muitas vezes, pela mesma razão, por vezes dar ajuda, dar um prato de comida, dar um tempo, etc. Ainda assim, sinto que não fiz outra coisa senão dar, dar-me, dar-me a mim mesmo. Estes dias estou numa cidade do interior, com amigos, para as festas de S. João, que aqui são muita festa, muita comida, muita gente, muita dança.Tem servido para pela primeira vez desde que cheguei descansar a cabeça, descansar também talvez o físico e ter um tempo para mim sem pensar demasiado no ambiente onde estou.No inicio de Julho pensei em ir visitar São Salvador da Bahia e depois, lá para meio do mês, voltam as actividades lá na AACA. Vai ser mais meio mês ali no Projecto e depois "Falou Brasil", volto para casa (expressão estranha para mim a este ponto pois já não sei realmente aonde pertenço ;P). Beijos e Abraçosdeixo de presente algumas, pouquissimas das muitas fotos que tenho tirado por aqui!http://picasaweb.google.com/riccmarques/Brasil?authkey=vi4C16x3xeY

Nenhum comentário: